sábado, 5 de agosto de 2023

JOÃO ALFREDO: Tribunal de Contas aponta irregularidades em doação de Escola Municipal para Faculdade particular


O Tribunal de Contas de Pernambuco considerou que a doação da Escola Municipal Miguel Arraes, em João Alfredo, à Faculdade Vale do Pajeú é ilegal, não tem sustentação jurídica e só poderia ter sido feita por meio de licitação pública. “A outorga de bem imóvel municipal mediante instituto jurídico inadequado e sem a realização de licitação impediu que a Administração obtivesse a melhor proposta para utilização do bem imóvel e sujeitou a continuidade da oferta de ensino superior no Município de João Alfredo ao juízo de conveniência e oportunidade do gestor, dada a natureza precária do ato de permissão”, aponta o relatório da “Auditoria Especial na Prefeitura Municipal de João Alfredo, relativa ao exercício de 2023”, cujo processo foi autuado sob o nº 23100155-1”. A reportagem destaca os principais pontos do relatório da auditoriaque aponta uma série de irregularidades na transação. 

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VÍCIO DE FINALIDADE: De acordo com os auditores do TCE, “após conceder a permissão de uso, a Prefeitura deu início a uma obra de reforma e ampliação do prédio já outorgadoutilizando majoritariamente recursos de precatórios do Fundef, bem como retomou a obra da quadra de esportes localizada no imóvel, a qual utiliza recursos do FNDE”.

“Em consequência da permissão de uso do bem imóvel em que se localizava a Escola Miguel Arraes para o funcionamento da Faculdade Vale do Pajeú (FVP) em João Alfredo, diversas despesas foram realizadas utilizando recursos vinculados à educação básica sem atendimento à finalidade prevista, por não se destinarem à manutenção ou desenvolvimento do ensino. Para instalação da FVP no imóvel municipal, a Prefeitura de João Alfredo realizou reforma e ampliação do prédio, através do Contrato n.º 16/2022-FME (doc. 34, p. 369-377), no valor de R$2.290.235,41 (dois milhões, duzentos e noventa mil, duzentos e trinta e cinco reais e quarenta e um centavos)”.


ESCOLAS DETERIORADAS: O relatório da Auditoria destaca que o município sequer cumpre as obrigações com a educação básica, “segundo pressuposto para atuação no nível superior de ensino”. O Tribunal de Contas de Pernambuco frisa que o prefeito José Antônio Martins da Silva priorizou a “implantação de faculdade particular em João Alfredo em detrimento da oferta de ensino básico de qualidade, quando somente poderia atuar no ensino superior ao ter plenamente atendidas as necessidades dos níveis infantil e fundamental, e com recursos não vinculados à educação básica”. O “baixo nível de adequação das escolas municipais às condições mínimas de infraestrutura”, foi apontado em fiscalização do próprio TCE-PE.  


“O Município de João Alfredo firmou o Termo de Ajuste de Gestão com este Tribunal de Contas (Processo TCE n.º 2215268-4) com vistas à melhoria da infraestrutura dos prédios escolares municipais que se encontravam em situações inadequadas para o ensino, cujo monitoramento revelou o descumprimento de 16 das 29 obrigações assumidas, conforme as conclusões do Relatório de Monitoramento. Portanto, mesmo com a existência de inadequações a serem sanadas nas unidades escolares municipais, inclusive constantes de Termo de Ajuste de Gestão, priorizou-se o fomento à instalação da instituição privada de ensino superior, com a utilização de recursos vinculados ao ensino básico”.

USO INDEVIDO DE RECURSOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: O relatório do Tribunal de Contas, considera “descabido” o gasto “mensal de R$26.500,00 (vinte e seis mil e quinhentos reais)” para pagar o aluguel do galpão que “passou a sediar a Escola Miguel Arraes (Contrato n.º 01/2023-FME (doc. 30, p. 30-36)”, bem como o “valor de R$180.311,66 (cento e oitenta mil, trezentos e onze reais e sessenta e seis centavos)” utilizado para “reformar este imóvel para adequá-lo ao funcionamento da unidade escolar, através do Contrato n.º 04/2023”. 

“Tais despesas somente se tornaram necessárias porque os alunos foram retirados de um prédio próprio que já apresentava condições de funcionamento como unidade escolar, portanto, a aplicação desses recursos não resulta em qualquer ampliação de oferta ou melhoria na qualidade do ensino prestado à educação básica”.

“Cabe destacar”, frisa o relatório, “que a Escola Municipal Miguel Arraes funcionava plenamente em 2022 no edifício próprio do Município, com um total de 18 salas de aula previamente à ampliação, tendo passado a um edifício locado em 2023 com 20 salas de aula – com funcionamento de 18 turmas pela manhã, conforme entrevista (doc. 29) –, portanto, não necessitava de ampliação pois já comportava o número de turmas”.

SUPERFATURAMENTO NO ALUGUEL: De acordo com o Tribunal de Contas, o valor que a prefeitura vai pagar de aluguel, durante onze meses, é maior do que o valor do imóvel. “Verificou-se que o contrato foi celebrado conforme a proposta de preços da proprietária, no valor de R$26.500,00/mês (vinte e seis mil e quinhentos reais). O valor contratado para locação pelo período de 11 meses (R$291.500,00 – duzentos e noventa e um mil e quinhentos reais) supera o valor de avaliação (R$184.697,28 – cento e oitenta e quatro mil, seiscentos e noventa e sete reais e vinte e oito centavos) constante da escritura pública de compra e venda (doc. 30, p. 8-11), sendo esta datada de 30/12/2020”.

Ainda de acordo com a auditoria, o aluguel do galpão “resultou em dano ao erário de R$8.918,56 (oito mil, novecentos e dezoito reais e cinquenta e seis centavos) por mês de execução do contrato”. O preço do aluguel foi definido pelo “valor do metro quadrado construído (R$3,50/m²/mês) obtido em pesquisa”, mas a prefeitura multiplicou pela área total do terreno do imóvel, sem considerar que a maior parcela do imóvel não está edificada”. O imóvel locado possui área construída de 1.529,25m², conforme processo de reforma (doc. 31, p. 70). 

“A área que está sendo efetivamente utilizada para o funcionamento da unidade escolar é de aproximadamente 5.023m², contra os 10.286m² que totalizam o terreno locado. Faz-se necessário, portanto, que a Administração adote as providências necessárias para ajustar o contrato celebrado, fazendo constar o preço real do metro quadrado e a alteração na área locada, restrita àquela que atende ao interesse público”.

BENFEITORIAS SEM FUTURO: Para ocupar um imóvel alugado por onze meses, até dezembro de 2030, o município fez “despesas no valor de R$180.311,66, sem qualquer garantia de continuidade no imóvel por prazo que justifique o investimento. Verifica-se, portanto, que o contrato foi firmado pela Administração incorrendo no risco de que, após ultrapassado o prazo de 11 meses, não tenha anuência do locador para que o Município continue como locatário, beneficiando o particular pelo acréscimo patrimonial decorrente das benfeitorias realizadas, visto que não há previsão de indenização ou amortização do valor investido".


ALUNOS SEM QUADRA: “A retirada da Escola do prédio municipal resultou em prejuízo aos alunos da Escola Miguel Arraes, que terão a utilização da quadra impedida ou dificultada em razão da distância para a nova sede da unidade escolar, distante 1,3 km do local da quadra, contrariando a estratégia 7.18 do Plano Nacional de Educação”. A construção da quadra esportiva é feita com “recursos federais provenientes do FNDE”. Ainda que não seja evidente a utilização da quadra pela Faculdade Vale do Pajeú, destaca-se que, dentre os cursos previstos para serem ofertados, conforme a cláusula primeira acima, está o de Educação Física, que poderá eventualmente demandar o seu uso”.

A Auditoria aponta como responsáveis o prefeito, José Antônio Martins da Silva; o secretário de Educação, Idney Kleiton Brito Dutra; o secretário de Serviços Públicos, Herllon Adamylls Mariano Ramos; a arquiteta, Jullyana Lemos Farias; e o engenheiro Adelmo Ferreira de Lima Campos. O relatório é assinado pelo auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco, Daniel Teixeira de Melo. A reportagem se coloca à disposição dos citados pelo TCEPE para publicar possíveis esclarecimentos.

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