terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

30 ANOS DEPOIS: O assassinato do advogado, líder sindical e vereador Evandro Cavalcanti, o crime de maior repercussão da história política de Surubim


Alberico Cassiano


Surubim nunca viveu uma manhã tão conturbada quanto a do sábado, 21 de fevereiro de 1987, dia da movimentada feira da cidade.

O advogado Evandro Cavalcanti seguia a pé para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde, religiosamente, todos os sábados, atendia aos produtores rurais que precisavam de apoio jurídico. Seguia acompanhado da mulher, Jucilete, e pela filha Andréa, de apenas 11 anos.

No sindicato, cerca de trinta posseiros das fazendas Umari e Cruzeiro da Caiana, duas áreas de conflito, o aguardavam. Evandro Cavancanti iria anunciar aos agricultores que tinha conquistado, na Justiça, o direito à posse das terras da Fazenda Umari. Mas não teve chance. No meio do caminho, tinha uma Brasília branca e três homens armados.

"Doutor Evandro", teria dito, de acordo com testemunhas, um deles, se aproximando do advogado.

"Diga companheiro", foram essas as últimas palavras ditas por Evandro Cavalcanti, que mal se virou para olhar,  e foi imediatamente atingido por oito tiros, praticamente à queima roupa. Morreu no local, na avenida Oscar Loureiro, uma das mais movimentadas da cidade.

"Eles ainda passaram na brasília, em marcha lenta, como se quisessem ter certeza da morte dele", declarou em depoimento, a esposa Jucilete Cavalcanti.

Ainda em depoimento, 'Leta', como é chamada, declarou que " Evandro atuava em duas ações contra os proprietários das fazendas Umari e Cruzeiro da Caiana, e apesar de todas as ameças, não demonstrava medo e nunca andou armado ", declarou.

CULPADOS - os fazendeiros Charles Guerra de Farias e José do Rêgo Neto, e um amigo deles, Severino Sinval Leal de Farias foram apontados como os mandantes do assassinato.

De acordo com as investigações policiais, os soldados da PM da Paraíba Francisco Rodrigues de Souza, o 'Trovão', Betânio Carneiro dos Santos, e o PM reformado Valdeci Benício de Sá, de Campina Grande, foram contratados para executar o crime. Foram presos e condenados a 18 anos de prisão.

Os agenciadores também foram presos. Domingos Gonçalves, o 'Domingão', de Limoeiro, foi julgado em 1993, mas em dezembro de 1997, estava em liberdade condicional, aos 68 anos. O ex PM Gildo Soares foi julgado em 1998, também condenado a 18 anos de prisão, conseguiu liberdade condicional anos depois.

Já Severino Sinval conseguiu habeas corpus e ficou em liberdade. Morreu de doença degenerativa no Recife. Os fazendeiros Charles Guerra de Farias e José do Rêgo Neto foram condenados à revelia e nunca foram presos, eram considerados foragidos, mas acabaram sendo assassinados longe de Surubim.

"Jamais temi iniciativas arrojadas"


Evandro Cavalcanti se definia como um homem de esquerda. Era admirador de Sartre e de Fidel Castro. Nasceu em Surubim, no dia 12 de março de de 1949. A personalidade forte se revelou logo cedo.

"Já na escola, com cinco anos, ele brincava de fazer discurso e as freiras ficavam escutando. Quando foi crescendo, logo percebemos que ele tinha a mais forte personalidade entre os nove irmãos. Tinha facilidade em expor o que pensava, defendia suas ideias e sempre foi muito determinado", afirma a irmã e também advogada Nelma Cavalcanti.

Formado em Direito, advogou para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Surubim. Atuava como advogado de quatorze sindicatos nos municípios do polo. Assegurou, na Justiça, o direito a posse da terra aos agricultores da fazenda Tabu, a primeira área desapropriada pelo Incra no agreste pernambucano para fins de reforma agrária.

"Depois vieram outras áreas, a exemplo das fazendas Caiçara e Jundiaí, em Orobó, fazenda Salgadinho, Pá que vira, em Bom Jardim, e finalmente, Caiana e Umari de Casinhas, sua última batalha. Evandro incomodava muita gente. Ele trouxe vitalidade ao movimento sindical, mobilizou e resgatou a autoestima do homem do campo", lembra o sindicalista Israel Crispin.

Evandro Cavalcanti ingressou na vida pública em 1974, quando participou ativamente da fundação do MDB em Surubim e da campanha de Marcos Freire para o senado.

Foi o segundo vereador mais votado nas eleições gerais de 1982. Teve o mandato voltado para defesa das causas populares, sobretudo pelas questões agrárias.

"Durante toda a minha vida pública, neste município, meu compromisso é com a luta popular. estou consciente que valorizei os votos que foram dados a mim. Jamais temi iniciativas arrojadas. É hora destes tecnocratas aprenderem uma lição muito simples: a de que o povo é sábio. Somente ele, o povo, sabe melhor do que ninguém resolver os seus graves problemas que, na maioria das vezes, requer as mais simples medidas possíveis", afirmou Evandro em discurso na Câmara de Vereadores de Surubim.

 Em 1976, disputou a prefeitura e, embora não tenha conseguido se eleger, obteve 46% dos votos. Em 1986, candidatou-se a deputado estadual e teve quase dez mil votos.

Além da mulher, Evandro deixou quatro filhos: Andréa, Marcela, Luís Neto e Fidel.

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais vai lembrar os 30 anos da morte do advogado e sindicalista Evandro Cavalcanti, com uma missa na fazenda Tabu, celebrada por mais de vinte padres, no próximo dia 23.