Os motivos para a ocorrência de tais atrocidades foram os mais diversos. Prendia-se a torto e a direito, com motivo ou sem motivo, como é comum em períodos de exceção. Para nós, bonjardinenses, o caso mais chocante foi o de Edgar de Aquino Duarte, filho de José Geraldo Duarte e Maria Francisca Duarte, nascido em Bom Jardim aos 28 de fevereiro de 1941.
Depois de concluir o 2º grau, ingressou na Marinha, incorporando-se ao Grupamento de Fuzileiros Navais sediado no Rio de Janeiro, onde obteve a graduação de cabo. Participou ativamente das reivindicações da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, objetivando melhores condições de trabalho e reconhecimento da associação.
Com a deflagração do regime militar, teve de exilar-se no México e depois em Cuba. Retornou ao Brasil em 1968, com nome falso. Procurou os pais, então residentes na capital pernambucana. Esteve em Bom Jardim por cerca de dois meses, visitando parentes. Em seguida rumou para São Paulo onde montou uma imobiliária em sociedade com José Leme Ferreira. Adquiriu novos documentos, passando a chamar-se Ivan Marques Lemos e não mais manteve qualquer contato com antigos companheiros. Coincidentemente, deparou-se um dia com um ex-colega de farda, José Anselmo dos Santos, o “Cabo Anselmo”, recém-chegado de Cuba, e à procura de trabalho e moradia.
Edgar o abrigou em seu apartamento, no bairro da Consolação. Desfazendo-se da Imobiliária, passou a operar na Bolsa de Valores. Num dia de março de 1971, em pleno centro bancário de São Paulo, foi sequestrado e conduzido ao DOI-CODI do II Exército, onde permaneceu incomunicável por longo tempo.
Informados de sua prisão, seu pai e outros familiares se deslocaram até São Paulo à sua procura. No DOI-CODI e no DOPS foram informados de que o nome da pessoa procurada não constava da relação dos detidos. A longa busca resultou inútil. Vários presos políticos testemunharam a presença do pernambucano nesses dois locais. Outros afirmaram, inclusive em Juízo, tê-lo visto em diversas oportunidades, nos corredores das prisões e nos banhos de sol.
Nos porões do DOI-CODI, sob torturas inomináveis, penou por mais de dois anos... Foi visto pela última vez em meados de junho de 1973. Continua desparecido e seu corpo nunca foi encontrado.
Foram responsáveis pelo seu sequestro, o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, codinome “Dr. Tibiriçá”, em companhia dos delegados Carlos Alberto Augusto e Alcides Singillo, sob o comando do famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury, segundo declarações do próprio major.
É de se indagar o porquê de tamanha maldade contra um ser humano que se encontrava quieto em seu canto, não participara de nenhum grupo revolucionário ou praticara qualquer crime.
Eis a explicação: a via-crúcis de Edgar teve início no fatídico momento do encontro casual com o ex-colega de farda “Cabo Anselmo”. A partir daquele instante seu destino foi traçado: passou a ser a única pessoa capaz de identificar o agora metamorfoseado “agente infiltrado”, ou se preferirem, “agente duplo” a serviço dos Órgãos Policiais de Repressão, colaborador da prisão, tortura e morte de dezenas de infelizes.
Contra o bonjardinense não havia nenhuma acusação formal. Mas, teve a má sorte de reencontrar o “amigo” de outrora. Tanto é assim que sobreviventes dos maus tratos daquela fase negra de perseguições desenfreadas garantem ter ouvido ameaças diárias da parte dos carrascos contra a integridade física do preso Edgar.
Porém, não foi só o pernambucano de Bom Jardim que sofreu nas garras dos algozes travestidos de policiais. Inúmeros processos foram instaurados contra esses abomináveis agentes da morte sem que nenhuma punição fosse aplicada. Ninguém pagou, nem vai pagar, pelos hediondos crimes que eram então praticados em nome da Segurança Nacional. Muitos deles até já morreram de morte natural. Outros, estão a caminho. Venceu a impunidade.